Plantações - Um pouco da história
É no Príncipe, na zona de Terreiro Velho, que encontramos as antigas variedades de cacaueiros que eu procurava, dispersos pela floresta.
Muitos deles reproduziram-se naturalmente graças aos macacos que adoram a polpa que envolve as sementes maduras do cacau. Eles apanham a fruta madura e, com os dentes, fazem um buraco – sempre na parte oposta ao pecíolo. Este buraco é suficientemente grande para que possam meter a mão e extrair rapidamente as sementes para encher a boca.
Depois de realizarem esta primeira operação, sobem a uma grande árvore onde, em segurança, podem chupar tranquilamente a polpa que rodeia as sementes. Cospem os grãos limpos da sua polpa e criam assim muitos pequenos viveiros. Muitos desses grãos germinam e, alguns meses mais tarde, a natureza permite aos mais sãos e aos mais robustos tornarem-se pequenas árvores, naturalmente selecionadas com cuidado.
Construímos uma cabana onde encontramos estas plantas de cacau em maior número.
Começa então um trabalho apaixonante que irá durar longos anos. Limpamos a vegetação, replantamos as variedades de árvores de sombra que tinham sido abatidas pela qualidade da sua lenha e semeamos novas plantas de cacau. Arejando a plantação e proporcionando-lhe a luz certa, as plantas de cacau desenvolvem-se harmoniosamente e vão dando frutos cada vez mais sãos e mais bonitos.
O perfume da polpa do fruto do cacau, fresco e doce, mas sem ser exagerado, arrepia-me.
A polpa do cacau não é utilizada, mas eu sonhava com isso porque tinha um perfume de tal modo agradável que não conseguia deixá-la de lado. Apesar de uma carga de trabalho enorme, tanto pela quantidade como pela diversidade de tarefas a realizar, o meu espírito sonhava com o perfume daquela polpa sempre que parava para descansar, pensava na forma de o agarrar. Por fim consegui destilá-lo. E francamente valeu a pena.
Prevendo a primeira colheita, começámos a construir o nosso centro de transformação com um espaço para as experiências e as verificações previstas desde há muito.
Chega o momento da colheita, posso finalmente começar os meus testes.
A fermentação do cacau é uma etapa obrigatória. E, como todas as fermentações, iria ser uma operação muito delicada.
Depois de ter realizado numerosos testes, conseguimos desenvolver um método de fermentação natural que permite passar de um perfume a outro, como eu queria.
Agora, era necessário secar todo aquele cacau, que era fruto tanto de reflexão como de trabalho. Tínhamos de descobrir a curva térmica certa... e em seguida a forma prática de a pôr em marcha. Após numerosos testes e esquemas, depois de alguns enganos, conseguimos obter o resultado desejado.
Com a secagem terminada, colocamos imediatamente o cacau em pequenos sacos fáceis de transportar. Eis o nosso cacau, pronto a ser colocado em pequenos barcos para atravessar as 90 milhas de oceano que separam a ilha do Príncipe da ilha de São Tomé.
O barco chega a S. Tomé. O responsável da fábrica de chocolate, Arlindo, é o primeiro a entrar a bordo.
Arlindo verifica se todos os sacos estão em ordem e se não foram molhados pelo mar. Este controlo deve ter lugar antes dos sacos saírem do barco, de forma a podermos compreender de onde pode ter chegado a água, ainda que alguns sacos estejam pouco molhados. O objetivo é organizarmo-nos de forma a que não volte a acontecer.
Apenas depois do sinal verde de Arlindo é que o cacau pode sair do barco.
O nosso cacau, acondicionado em pequenos sacos de 30 quilos, sai do barco passando de mão em mão, sem tocar terra, e é diretamente colocado no piso de madeira da camionete que o transportará até à Zona Técnica da nossa plantação de Nova Moca.
Chegados a esta etapa, em que o cacau acaba de ser seco, podemos afirmar tranquilamente que pelo menos 60% do trabalho de preparação do nosso chocolate foi feito e que temos em mão a matéria essencial para fazer um chocolate como queremos - o nosso chocolate. Antes de proceder à torrefação, o nosso chocolate é selecionado à mão. Durante esta fase, os grãos eventualmente estragados, vazios ou que apresentem qualquer defeito são eliminados. Uma vez escolhido e controlado, o cacau é calibrado, para permitir uma torrefação uniforme e homogénea. As favas de cacau poderão então oferecer o melhor do seu sabor.
Durante a torrefação do café, a mudança de cor é um indicador importante do estádio deste processo, mas isso não acontece para o cacau, que deve ser torrado na sua casca. A cada ensaio de torrefação, recolhemos longas séries de dados, de tempo, de temperaturas e de anotações que preenchem cadernos inteiros. A baixa temperatura e com um tempo prolongado, observamos que “a alegria do cacau desaparecia”, enquanto que a uma temperatura mais elevada e com um tempo mais curto stressava-o, tornava-o duro e retirava- lhe grande parte dos seus aromas. Pouco a pouco aproximamo-nos do resultado desejado, mas a 95% a torrefacção era ainda demasiado curta ou demasiado longa. Os 5% de torrefação perfeitamente certos obrigavam-nos a procurar o nosso erro.
Pouco a pouco, ajudados também pela extraordinária qualidade do nosso cacau, parecia que o “ponto mágico” da torrefação não durava apenas uma fração de segundo, mas sim alguns segundos. E por fim conseguimos.
Das nibs de cacau ao chocolate poderia parecer um passo curto, mas não é assim. O cacau é um produto vivo, que quer ser conhecido e tratado, e que gosta de nos recordar o fato, fazendo- nos pagar a mínima distração. A cada etapa da moagem, além do gosto, a intensidade muda de forma aparentemente não linear, suscitando sempre sensações diferentes. A moagem é outra fase arriscada. Estamos prestes a obter o 100% que queremos, um 100% de sonho, um verdadeiro 100% composto unicamente de favas de cacau torradas, descascadas e moídas, sem que nada tenha sido adicionado nem subtraído. Um 100% que é a base de todos os nossos chocolates; um 100% que evoca por si mesmo todos os cuidados e todas as atenções de que é fruto.